segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Uma fácil percepção

Quem nasce em terras brasileiras é cercado por mitos. Trata-se de mentiras do tipo brasileiro é solidário ou brasileiro não tem preconceito. Todavia, a mais cabeluda das popularizadas fantasias pau-brasil é a de que brasileiro é povo trabalhador. Tal proposição, no mínimo, beira o ridículo.

Embora exista brasileiro honesto (sem ironias), preciso talhar a parte gorda da porcentagem, o que implica apontar os conhecidos casos em que um funcionário faz de tudo para matar serviço. Soa incoerente ao trabalhador tupiniquim entender, por exemplo, que UMA hora de almoço não significa sair 15 (quinze) minutos antes do meio-dia e voltar 600 (seiscentos) segundos após as 13h. E AI de quem bate o cartão nos horários normativamente pré-estabelecidos: está estragando o esquema!

Outra mania besta é contra-argumentar em situações de erro incontestável. Se um serviço sai errado e o consumidor reclama, coitado deste: tem de aturar xingamentos, insultos, sarcasmo por parte do prestador, pois deveria ter paciência; comprar em outro lugar; deixar o (pobre incompetente) trabalhador brasileiro em paz. E se o malandro ocupar cargo público, é capaz de o contratante levar um processo. Brasil.

Existem as redes sociais. Tão úteis (novamente, sem ironias) em diversos casos (ao que parece, reclamar de um serviço no Twitter, por exemplo, já é mais eficiente que no próprio Procon), acabam se tornando antagonistas em histórias laborais. Quantos chefes não perdem a cabeça porque seus empregados, brasileiros, trocam recadinhos no Facebook em vez de vender, ensinar, contabilizar? Volta e meia percebo cenas assim nos meus ambientes de... labuta.

E ocorre o caso de quem reclama quando um chefe cobra produtividade óbvia. E acontece de o patrão ir à empresa, ao fim do expediente, apenas para apanhar o lucro. Chego a crer que esses figurões esquecem seus objetivos trabalhistas: produzir e orientar! Não arguo que trabalhar se enquadre dentre as atividades mais divertidas do dia a dia, mas diversão tem um custo, o qual se cobre com salário. Só que parece difícil para o brasileiro entender que há hora para tudo - inclusive, em alguns sentidos, para deixar de ser brasileiro.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

UMA MODERNIDADE SEM PROIBIÇÕES


"Sobre a dificuldade em obedecer às leis, vale contar uma anedota reveladora, ouvida nos Estados Unidos, onde todos se pensam como fiéis e felizes seguidores voluntários das leis: num bote à deriva, náufragos em desespero calculavam suas chances de sobrevivência quando dois deles, os mais cínicos, resolvem fazer uma aposta bizarra. “Quer ver como eu faço com que todos se atirem ao mar?”, disse um deles, lançando um olhar de desafio ao companheiro. “Fechado”, respondeu o amigo, “quero ver quem, nesta situação, vai trocar a segurança do barco pelo mar aberto.” O Proponente foi até o grupo e disse a um inglês: “As tradições da marinha inglesa demandam que você se atire ao mar. É uma questão de honra e valor; afinal, “Britannia rules the waves”, solfejou. O inglês ficou de pé, fez continência, e imediatamente atirou-se ao mar. Em seguida, o apostador falou para um russo: “Em nome da revolução, você deve se sacrificar pelo coletivo. Abandonando o barco, você faz um ato altruístico e revolucionário, deixando mais água e comida para os mais egoístas e fracos.” Ao cabo de alguns minutos, o comunista pulou do bote. Restavam três pessoas. Diante do americano, ele foi direto: “Se você sair do bote, sua família recebe um seguro de dois milhões de dólares!” O americano disse “Yeah” e atirou-se na água. Triunfante, o apostador comentou: “Eu não disse que fazia com que pulassem?” O amigo respondeu: “Sim, mas ainda faltam dois e, olha, eles são brasileiros, não há como apelar.” “Esses são fáceis”, retrucou o apostador, dirigindo-se aos dois brasileiros que se consolavam mutuamente cantando “é doce morrer no mar”. “Amigos”, disse, “vocês sabiam que existe uma lei que proíbe pular na água?” Mal o apostador havia terminado a frase, os dois brasileiros já estavam, rindo, em plena água."

(Trecho retirado do livro Fé em Deus e pé na tábua ou como e por que o trânsito enlouquece no Brasil, do antropólogo Roberto DaMatta.)