quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A idade da razão

No último domingo, a menina - de nove anos - com uma boneca. Cuidava atenciosamente da filhinha. Manta, musiquinha e mamadeira. Cena rara: a guria estuda no Santa Maria.

A minha geração é transitiva direta. Jovens! Não vimos Tom e Vinicius em um show regado a uísque. Não conseguimos assistir a um jogo do Pelé. Irrompemos na década subseqüente à morte da Clarisse. Olhamos assustados pra galera do impeachment. Choramos no 1º de maio de 1994. Ansiamos por um banho de lama.

Empinamos raia. Corremos descalços no futebol. Brincamos de esconde-esconde, Naquele matão!, com roupa preta que dificulta o trabalho de quem contou. No colégio, um beijinho sem saliva. Pedimos um brinquedo de presente de Natal. Bebemos escondido. Fugimos da igreja. Ritualizamos a primeira experiência sexual. Escrevemos em ambígua conjugação verbal (presente e passado ao mesmo tempo): os fatos se misturam no tempo.

A nova geração, aos quatro anos, já imerge estuprada. No capítulo "A tentativa mais importante" de O homem sem qualidades, Robert Musil discorreu sobre a revolta que os jovens apresentam em relação aos velhos. Segundo ele, todo espírito de mudança se perde quando aqueles jovens se tornam os pais. Velhos tempos de rock and roll! Os atuais futuros jovens não têm inteligência pra alterações: educação by Marinho, Abravanel e Macedo. O Castelo Rá-Tim-Bum foi trocado por vagabundas. Os jogos humanos perderam sentido perante a desgraçada pista-de-tampinha virtual.

Esporte é o gol do personagem de 64 bits. Não estudam porque a UNIESQUINA abrange quem nunca leu Machado de Assis. O rádio reproduz KLB 22, Nirvana ou Babado não sei o quê. Não entendem política. Gostam de ganhar um salário mínimo. Vestem-se no estilo Power Rangers, todos marcados com 55. Não aprenderam o verbo criticar. O sexo é uma bala na boca de crianças - literalmente, às vezes. Inversões perigosas, nas quais a sabedoria cede lugar à mediocridade.

Entretanto, uma menina ainda cuida da boneca. Patinha feia dentre as galinhas que desejam estrelar a Caras de setembro. Cantou Humberto Gessinger: eu me sinto tão pequeno nessa terra de gigantes. Nós! Que a garotinha escreva, daqui 11 anos, um texto que louve a nova geração. Voltarão, bolas e bonecas, para os quartos infantis?

3 comentários:

Simone Petry disse...

Nossa, esse texto me lembrou uma cena que vi na semana passada, e me perdoe se faço um comentário desapropriado, mas acho que até é pertinente ao que vc escreveu. Eu estava dentro do ônibus e vi uma menina de uns onze anos e seus irmãozinhos, deveriam ter uns 8 e 6 anos. Ela abre a pequena bolsa, tira uma carteira de cigarro, pega um cigarro e dá para o irmão mais velho, pega outro para si. Apanha o isqueiro e acende aquele cigarro com a experiência de quem faz isso há muito tempo. Toma posição toda elegante com as mãos, e o cigarro aceso, que destoou tanto daquele corpinho sem ainda nem um contorno de mulher . Pudera, ela não é uma mulher, ao menos fisicamente, é uma criança.
Nossa, fiquei refletindo muito sobre isso ... e chego a conclusão que não, as bolas e as bonecas ficarão para sempre longe dos quartos infantis.

leandrão cardoso disse...

O troço tah virado num saci mesmo... Engraçado que, há um tempo, a gente criticava este tipo de crítica que os nossos pais fazem(iam) ...
Mas acredito que, caso isso aconteça (os brinquedos serem exilados), não será de todo...
Os filhos da nossa geração, se bem criados, podem ainda curtir uma bola e um joguinho de queimada (caçador, como dizem vcs) na rua.
O troço tah feio, isso é indiscutível. Voltarão as bonecas e bolas aos quartos? Num sei se voltarão, mas que continuarão em alguns, ah!, continuarão. Disso eu tenho certeza...

Anônimo disse...

Acrescentando ao comentário do leandrão ali em cima;realmente criticavamos os comentários de nossos pais, e depois de muitos exemplos ou e de quebrar a cara [passar por experiencias próprias] agente vê, mais cedo, ou mais tarde que os pais estavam certo;(como diria meu pai: "...ou aprende por bem ou por mal" hahaha) a mídia influencia, mas pra que aconteça essa influencia passa por uma simples especie de aprovação... ou seja os pais é que formam a nova geração; então nao acha que o problema em si esta [começa] nos pais? A falta de tempo dos adultos causa a carencia de varios outros fatores nos jovens[falta de diálogo,de certas proibições,de amizade...] sorte que entendi meus pais cedo ;)

Evelyn - 2º ano do ensino médio do colégio Anchieta - Paranaguá