domingo, 24 de outubro de 2010

Osso duro de roer

Sinto-me incapaz de captar todos os elementos (tridimensionais) da arte cinematográfica. Mesmo assim, arrisco algumas críticas, quase sempre encorajadas pela subjetividade, acerca daquilo a que assisti. Rotineiramente - e isto não afeta diretor algum, sei bem -, não sou bonzinho em minhas impressões; hoje, entretanto, o ponto-de-vista é afirmativo.

Vi o tão comentado Tropa de Elite 2 (TE2). De fato, a continuação da série é melhor que a primeira parte. Sem prender-me aos aspectos intrínsecos à "arte pela arte", a crítica social presente em TE2 apresentou algo pela mídia obscurecido: sugeriu-se que tráfico, propina e milícias podem estar associados ao governo. Essa sugestão, metaforizada, seria passível inclusive de comprovação.

Em conversas com amigos, é comum chegarmos a idênticas conclusões. Fernandinho Beira-Mar, por exemplo, deve ter caído porque mexera com "gente grande". Esse pessoal "gente-grande", então, não poderia estar na Assembleia, na Câmara, no Senado? Não se mencionam nomes reais, daí a metaforização, porque o problema é o sistema político em si. Sai governador, entra governador... E as ações calhordas tendem a continuar.

Muitos brasileiros encenam uma democracia que permite tudo - menos a honestidade. É histórica a assertiva de que em terras tupiniquins se aceita a corrupção passivamente. Cada uma a seu modo, as legítimas impressões sociais são constantemente mal interpretadas. Como comprovação disso, leia-se "somente" sobre o resultado das últimas eleições, deixe-me ver..., no Paraná e em São Paulo: talvez, caiba em uma só mão o número de deputados honestos.

No filme de José Padilha, essa imobilidade social fica extremamente explícita. O deputado Fraga ou o subsecretário Nascimento representam dois extremos que lutam pela mesma melhoria. Ao final, direitos humanos e BOPE seriam as formas de se destruírem males sistemáticos como tráfico, corrupção, ignorância. Mas fica difícil encarar o sistema problemático quando mídia e governo se unem em prol da futilidade. O povo, por sua vez, prefere almoços de épocas de campanha à tentativa de mudanças, escolhe pagar propina e, junto, o pato.

A gente não precisa só de ONG ou de boa vontade social (mensagem que Tropa de Elite 1 já apresentava). É imprescindível, ex tempore, uma rede de atitudes que siga o exemplo viril de policiais ainda dignos ou de políticos "ficha-limpa". Precisamos de homens públicos sérios, de mídia não-sensacionalista. Viver à sombra de candidatos redundantes, em todos os sentidos da palavra, simplesmente não mais convém. Aliás, não deveriam convir, também, as demais aceitações do elemento bizarro que ocorrem no Brasil.

Tropa de Elite 2, ao fim, ainda consegue repassar uma mensagem de esperança: "cacete" na estrutura política nacional! Se não houve resultados positivos com o partido do bico grande, que ele volte para a floresta. Uma vez que a estrela tenha parado de brilhar, que se elejam outros candidatos a astro. O indivíduo nas cadeiras políticas é o de menos; devemos nos preocupar com o componente abstrato. Se for necessário, que os direitos humanos protejam os homens honestos, que "os caveiras" metam a mão na cara dos corruptos.

E que se exclua, do cenário político nacional, a maldita palavra "renovação". Renovar a máfia, a corrupção? Sejamos, conforme se configura TE2, menos justus (se me permitem o trocadilho): que haja, sim, uma revolução.