quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A dança dos deuses (movimento 1)

Seria no mínimo ingênuo acreditar que futebol são apenas 22 malucos correndo atrás de uma bola e... nada mais. Não é bem assim.

Basta observar algumas das rivalidades mundiais para comprovar a amplitude sociológica por trás de uma partida de futebol. Na Escócia, por exemplo, Celtic e Rangers encenam o extremo entre católicos e protestantes. Nos primórdios de Old Firm, a religião era determinante inclusive para decidir em qual time atletas atuariam. Não é à toa que jogador já andou morrendo, em meio a pancadarias, nos gramados do clássico. Criminal? A sociedade real também o é.

Há quem pense: "Celtic e Rangers são dois times inexpressivos". Todavia não se pode afirmar isso sobre Real Madrid e Barcelona, certo? Por trás das cifras milionárias que envolvem as duas equipes espanholas, pulsa uma veia social fortíssima, opondo à capital Madrid a autônoma Catalunha. Da época do regime franquista às recentes declarações de Piqué, uma vitória do time catalão demarca, na mente de um culé sonhador, até mesmo um passo para a independência de sua comunidade. Utópico? A sociedade ideal o é também.

No Brasil a valsa segue ao mesmo compasso. O meu time do coração simbolizou, historicamente, luta contra o racismo: abria-se a jogadores negros recusados pelo rival. Outros casos notórios também simbolizaram as diferenças, por exemplo, de renda: o clube "dos ricos" e o clube "dos pobres" se embatiam... Em estádios nacionais, aliás, ainda hoje se observam cenas de discriminações – lástima infelizmente recorrente em arenas do globo todo. Um segundo lado triste da sociedade real.

O título desta crônica faz referência a um livro de Hilário Franco Júnior. O leitor que goste de futebol deve ler tal obra. O que não goste do esporte, mas curta sociologia e afins, também precisa folheá-la. Isso vai ajudar a concretizar que futebol não são apenas 22 malucos correndo atrás de uma bola: trata-se, na verdade, de uma importante metáfora histórico-social.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

1943 – 2015

A atriz sobe no palco para encantar o público... outra vez. Ela declama, dança, canta – e a plateia começa a perceber a própria vida.

O senhor, já velhinho, lembra-se de folias várias. As festas da sua adolescência (“Diferentes dessas putarias de hoje”) faziam-no bastante feliz. Considera também que as próprias experiências amorosas poderiam virar uma peça, mas ele saberia interpretá-las com a excelência da atriz? Resigna-se à força da memória, comemorando viúvo por ter sido feliz.


A senhora, vestida de preto, chora a solidão. Conviveu durante um tempo longo com alguém que não a amava, mas qual o mal? Gostava dele. Gostava de verdade! Até hoje visita o túmulo de quem, embriagado, agredia-a todo dia; e amargura críticas por isso. Só que ao ouvir a atriz jurar paixão eterna, no primeiro ato da peça, percebe que ainda pode, no último ato da vida, buscar alguma boa lembrança que se sobreponha às antigas aflições.


A jovem apaixonada encanta-se com a poesia da atriz. Enxerga em cada fala as próprias idealizações para o amor. Está naquela fase em que (se) acredita que tudo vai ser perfeito, mal sabendo que o rapaz que a olha, na fileira ao lado, será o responsável pela primeira decepção passional. É um belo roteiro para alguma tragédia, mesmo que tal trama já seja manjada... A jovem, no entanto, vai optar pelo risco.

A própria atriz se redescobre. O teatro é sua vida – e as transformações da personagem são as transformações da própria mulher. A indumentária, a sonoplastia, as marcações não se restringem à ficção: amalgamam-se ao concreto e ninguém separa mais o cisne da bailarina. Após duas horas, quando abandona o palco, nota que não consegue parar de interpretar. Só que essa interpretação não é mais mentirosa: é aquela necessária à felicidade idiossincrática (encanto maior não há).

Já o cronista... Bom, o cronista aprendeu um novo modo de enxergar a si mesmo. A atriz explana todas as sensações – e ele tem todas essas sensações em si, mas não conseguia alcançá-las. Cada diálogo a que ele assistiu resgatou mudanças: o aperto de mão mais sincero, a paciência com quem reclama, o trecho certo do clímax e do desfecho. Cena após cena, o teatro desmistifica a impossibilidade de mudança do homem, sem muito mistério em torno do porquê disso...

É que a atriz ensina, no palco, como a vida fora dele deve ser.