domingo, 16 de dezembro de 2007

As aparências enganam

Quanta ilusão em torno do Natal do Palácio Avenida. Quem conhece o Ballet Bolshoi se desola com a tosca base que as crianças do coral HSBC recebem: um mês de fama, onze de provações - e essa oscilação subseqüencia o descompromisso entre Brasil e decência.

O Teatro Bolshoi é uma instituição fundada em 1773, na Rússia, pelo príncipe Peter Urussov. Por lá, promove o ingresso de criança "pobre" na melhor dança do mundo. O projeto sofreu casualidades (incêndio, trocas administrativas) mas se manteve, ao longo dos séculos, fiel ao propósito inicial. Tão fiel que em 1998 deslocou um pouco dessa grandeza para terras tupiniquins.

Em 2007, formou-se a primeira turma de bailarinos profissionais do Ballet Bolshoi. Os jovens tiveram, ao longo de oito anos, aulas de educação básica, língua estrangeira, história da arte, teoria e prática musical, expressão corporal, dança clássica, dança popular, interpretação, maquiagem; assistência médica e odontológica; bolsa-auxílio; roupas e viagens. Cada passo era orientado por uma equipe "de ponta", formada principalmente por brasileiros e russos. Nomes como Pavel Kazarian, Galina Anatolievna, Agrippina Vaganova, Henrique Beling e o grande Vladimir Vasiliev garantiram a competência da primeira filial do Teatro Bolshoi fora da Rússia.

Uma opção para jovens desfavorecidos socialmente (95% do total de alunos da instituição) conseguirem materializar um sonho. Exemplo: em 2006, numa apresentação na sede do Bolshoi, em Moscou, a bailarina Mariana Gomes se tornou a primeira brasileira a ingressar na companhia russa. Recompensa pelas mais de cinco horas diárias de treinos e aplicações.

Percepção que o Ballet Bolshoi gera: ainda faz sentido investir em cultura. Ainda. Criações que liguem humanamente os segmentos da inteligência - educação, arte, esporte, trabalho... - são bem-vindas. Contudo, sabemos das dificuldades nacionais: dificuldade de investir no culto, de aceitar o que é trabalhosamente doloroso, de ser honesto. Há métodos mais práticos de atingir-se o sucesso: o roubo, a cola, meia-dúzia de crianças que, após um mês de cantoria em janelas, terão duas "oportunidades" musicais possíveis: banda de rock no estilo CPM 22 ou Capital Inicial; prosti-bandas no estilo Axé Blond ou Calipso.

- Até quando os isolados conseguirão ser exemplos?

- Não sei, não sei...

sábado, 8 de dezembro de 2007

Todos juntos, vamos...

Um bar é sinônimo de união. Para justificar, amplio não-paradoxalmente a "noção temporal" de Santo Agostinho. O autor dos Solilóquios escreveu a permanência de registros dentro de um único tempo: o presente. Neste, incluem-se resgates, verificações e antecipações que implicam as demais divisões cronológicas: memória: presente das coisas passadas; visão: presente das coisas presentes; expectativa: presente das coisas futuras. Exatamente o que acontece numa roda de beberrões.

Ontem - com algum povo da faculdade - praticamente dois engradados de cerveja. O presente da confraternização se reproduz na minha memória. Recupero informações preciosíssimas. No boteco: fala-se mal de pessoas chatas; comenta-se sobre o que há de bom e o que há de desgraçado na UFPR; canta-se parabéns para os 21 anos do amigo; combina-se a despedida que ocorrerá na próxima quinta-feira; anseia-se pela aparição de quem não pôde ir. Como se dá toda essa aglutinação? Com os ganchos que só o presente produz, oras!

O que importa é beber e sorrir. Quem não lembra a piada que o pai desastrosamente contou? Quem consegue derramar cerveja cinco vezes seguidas? Quem canta vitória antes da primeira rodada de cartas? Resposta: todos ao redor da mesinha. As seqüências se desenvolvem no presente que depois se torna comparação entre as confraternizações que separam memória (ou seja, que já maravilhosamente ocorreram) e expectativa (esperança de haver uma "palhinha" antes da próxima reunião).

Sei que soou despragmática a justificativa. Não faz mal. Pra quem está fora do bar, toda aquela algazarra também não convém. A inveja - Ah, eles têm amigos! Ah, eles tomam Bohemia! Ah, eles não precisam agüentar a mulher reclamona! - sufoca melancolicamente. Um recado para os pseudo-ortodoxos: existe mundo fora da fase cristã de Aurelius Augustinus. No modo etílico, qualquer assunto se mistura.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Pra entendidos.

A alegria futebolística possui várias faces. Ontem, quando o sr. Alício Pena Júnior apitou o fim do jogo em Porto Alegre, pude comemorar: o Corinthians estava rebaixado à Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. Não me causou tristeza a derrota, em Goiás, do Inter. Pelo contrário, o tropeço do meu colorado era indispensável para a desgraça corinthiana.

Meu contentamento consiste na denotativa queda do Timão. Muita gente surge com a incrível falsidade "Ah!, eu sou contra o vazio que o Corinthians representa na história do futebol nacional". Pra mim, o Alvi-Negro tem uma certa notoriedade. Segunda maior torcida do Brasil; quatro títulos nacionais; recordista de títulos paulistas; craques como Sócrates e Rivelino atuaram no Parque São Jorge - tudo isso reafirma a importância.

Mas alguns atributos tornaram o Corinthians um time arrogante. Conrinthianos fanáticos estão na lista dos seres mais insuportáveis que existem. A mídia criou uma aura em torno desse time a qual simplesmente não se pode aceitar. A CBF também compartilha do protecionismo: em nota no site oficial, afirmou que a confederação investigará o atraso que ocorreu no Olímpico e no Serra Dourada. No globo.com, todas as mais de vinte reportagens "de capa" eram sobre o Timão. Sensacionalismo barato: isso que me irrita! E o vice-campeonato do Santos? E a vaga na Libertadores que o Cruzeiro garantiu? E a lista das equipes classificadas pra Sul-Americana? E os outros rebaixados? A soma de todas essas torcidas supera o número de rebaixados, ops, de conrinthianos - o que torna trivial argumentos acerca de atingir o maior público. Aplaudo a união brasileira (que nunca se repetirá) pelo rebaixamento dessa equipe que, em jogadas de marketing, quer sobrepor-se ao mundo.

Segundas-feiras passaram a ser mais assinalantes. Se o vereador Valdenir Dias deseja implantar o dia do flamenguista curitibano - o primeiro dia últil da semana nacional se imortalizou automaticamente como conotação à situação do Corinthians: segunda divisão. Resta, aos jogadores, vender amendoim entre os intervalos dos jogos da Série B: gerar dinheiro até a famosa e ambígua "ajuda oculta" chegar ao Parque São Jorge.