Balada das Mocinhas do Passeio
quem são elas
em tão grande número
de onde vêm?
de que subterrâneos porões cavernas?
são os derrelitos do Dilúvio Universal?
você chega corre parte
mas não as mocinhas do Passeio Público
não chegam nem parte
estão sempre lá
incansáveis caminham
pra cá pra lá
sempre estiveram
pra lá pra cá
estarão para sempre
minissaias coxas varicosas
foto na hora
botinhas altas de sola furada
algodão-doce pipoca
boquinhas em coração de carmim
antes ventosas de medusas vulgívagas
psiu! oi tesão! vamo?
atração maior do Passeio
não é a gaiola do mico-leão-dourado
o aquário do peixe-elétrico
as cobras catatônicas o iguana pré-histórico
o pelicano papudo de asas entrevadas
tipo o albatroz no barquinho de Baudelaire
não é o viveiro de aves canoras
epa! Um casal intruso de arapongas
desde quando a-ra-pon-ga trina e gorjeia?
o espetáculo do Passeio
não são as araras bêbadas aos berros
nem o velho cedro florido de garças-brancas
a grande festa do Passeio
são as mocinhas pra cá pra lá
na ronda sempiterna do amor
uma só delas
vale um circo inteiro em desfile
com a anãzinha das piruetas no cavalo pimpão
a engolidora de espada de fogo
a elefanta graciosa no chapeuzinho de flores
a trapezista do duplo salto mortal
sem rede!
discutem gentilmente o preço
uma rapidinha quanto é?
como se vendem fácil
as damas peripatéticas do Passeio Público
ao sol ao frio à chuva ao granizo
com fome com febre com tosse
estão sempre lá
à caça dos clientes furtivos
mais duradouras
que o carvalho e o plátano seculares
lá estão sempre
as famosas mocinhas do Passeio
nem tão mocinhas
são trágicas são doentes são tristes
quem pode querer tais centopeias do horror
como esperar que alguém as cobice
derradeiros objetos do desejo?
medonhas aberrações teratológicas
galinhas de duas cabeças
treponemas pálidas
íbis sagradas de carapinha negra
aracnídeas hotentotes
gárgulas banguelas gargalhantes?
aí é que se engana
são desejadas sim cobiçadas sim disputadas sim
essas últimas mulheres da Terra
não fossem elas
o que seria dos últimos homens da Terra?
esses hominhos desesperados
sempre com sede com febre com tosse
sobretudo famélicos de um naco de carne
arre danação maldita da carne
urra salvação da carne da vida
são feiticeiras Circes
das verdes águas podres do Rio Belém?
são górgonas grotescas?
pudera com tais clientes
mequetrefes bandalhos escrotos
que não fazem amor
estripam curram vampirizam
são elas blasfêmia abominação escândalo
dos falsos profetas
das mil igrejas de Curitiba
veros cafetões do dízimo?
elas são na verdade o sal da terra
são irmãs de caridade
são madonas aidéticas
são santinhas do Menino Jesus
onde tocam saram os carbúnculos malignos
não as despreze nem condene
doces ninfetas putativas do Passeio
mais fácil uma delas
passar pelo buraco da agulha
que eu e você entrarmos no Reino do Céu
ó bravas piranhas guerreiras
elas serão as sobreviventes
à sétima trombeta do Juízo Final
ao dragão e à besta do Apocalipse
no dia seguinte ao Armagedom
restarão na Terra
as baratas e elas
você chega corre passa
elas não passarão
pra cá pra lá
psiu! oi tesão! vamo?
pra lá pra cá
para todo o sempre
as minhas as tuas as nossas
putinhas imortais do Passeio Público.
(Dalton Trevisan. Poema retirado do livro Rita Ritinha Ritona.)