Há três dias, no ônibus, ouvi "Nossa, minha gerente é uma mala. Ela vem corrigir quando a gente faz coisa errada. A do outro setor agüenta tudo sozinha.". Confesso que fiquei preocupado com a recepão que a ética recebe.
Eu não estava "bicando" o papo. Lia meu volume numa página precisa. Contudo, os decibels (Sistema Internacional de Física) da conversa não me permitiram concentração. A partir de então, percebi que as concepções de trabalho e diversão se misturaram completamente. A pessoa legal é a que tolera erros e prejudica uma empresa. Já a chata é a que traz ensinamento. Pensando bem, a lástima não se restringe a questões trabalhistas.
Desde pequena, a sociedade se acostuma com estereótipos desviados. O melhor aluno não é o que estuda pra prova; é o que tira nota boa colando e, a ssim, não "perde" tempo nos livros. O homem exemplar não é o que trabalha todo santo dia pra, no fim de semana, ter uma graninha que possibilite levar a família ao parque ou tomar sua cerveja sexta-feira à noite; exemplo de capacidade é o traficante que, sem suar a camisa, tem grana de sobra e comanda (por imponência) meio mundo.
Uma explicação pode encontrar-se na música. Quando se trata de samba de morro, a referência é a mesma que o livro "Memórias de um sargento de milícias" (do romântico Manuel Antonio de Almeida) produz: o malandro que, sem ferir o próximo, sobrevive. Ouça-se "E com muito da façanha / Sempre um perde e outro ganha / Um dos dois parou de versejar". Noel Rosa trouxe a disputa para o verso. A literatura, a lisonja, a esperteza sadia em ação conjunta. Quando o infeliz se prende a meia-dúzia de ritmos desgraçados, qual a tendência? Prostituição, drogas, alienação. Sem tocar na quantidade de cornos... O bom rock and roll, a boa bossa nova, as músicas de exaltação nativista (Ah!, Grande Teixeirinha!) perdem espaço para o espírito maloqueiro (que consegue transformar 90% da sociedade em decepção nacional). "Vai me enterrar na areia? / Não, não, vou atolar" deveria denotar enterro fúnebre. De quem canta, de quem ouve. A aberração, o orgulho sem motivo, a criminalidade em ação conjunta.
Não é de estranhar o cerol na mão das moças que reclamavam da disciplina no trabalho. Também não estranho que, com o histórico analisado, esse povo medíocre apresente cinco filhos com educação precária; três maridos passados (dois deles simultâneos); um cd do Babado Novo ao lado de uma cópia fuleira de "A última seia"; o dilema "Deus preparou isso pra mim". Conclusão: a inteligência não aparece na lista de (a)tributos; biologicamente, a burrice não tem limites.
5 comentários:
O famoso jeitinho brasileiro que tanto me irrita. Aquele velho machismo do malandro, que agora as "minas" resolveram adotar.
Lamentável...
É bem triste isso mesmo.
Eu como professora já presenciei várias coisas, mas algo que me chocou foi um aluno chegar calmamente em mim e dizer que não tinha interesse nenhum não só na minha matéria e nem em qualquer outra. Que só tava ali por causa do diploma mesmo e que conhecimento pra ele não valia de nada.
Ele teve a preocupação de usar palavras não ofensivas e tinha uma expressão muito sincera qndo disse isso.
Talvez se ele tivesse dito isso em uma discussão acalorada eu ficaria menos deprimida...
Mas é essa a realidade.
Fora os trabalhos colados da internet e a marginalização daqueles que se interessam em estudar (vide apelidos pejorativos tipo CDF, nerd, etc.)...
não é de estranhar que fiquem alegres com o governo pelo sistema de cotas na Universidade que abre vagas sem precisar entrar por mérito suado para passar no vestibular...para que brigar por direitos iguais em ter um bom ensino de base não é? o que importa é um diploma qualquer na mão, não é assim?
e para que brecar o Reuni...se o que importa é acabar logo a faculdade...
que vergonha
muito bom texto Mozer
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