domingo, 25 de novembro de 2007

As incoerências coerentes

Em troca de e-mails, amigo e eu concluímos: o Brasil passa por tantas incoerências sociais e políticas que, na real, erros se tornam coerentes entre si. O povo, portanto, é elemento estranho à convivência. Viver está cada vez mais perigoso.

Uma coletânea de horrores. No Pará, quatro casos de mulheres presas junto a homens. Uma delas de 15 anos - cuja certidão de nascimento foi falsificada pela polícia. Outra, para sobreviver, comercializou: sexo em troca da comida que os detentos prazerosamente escondiam. Reflexos da falta de presídios femininos, do silêncio da justiça local.

Fernando Henrique Cardoso: "Faremos o possível e o impossível para que saibam falar bem a nossa língua. (...) Queremos brasileiros melhor educados, e não liderados por gente que despreza a educação, a começar pela própria.". Linguisticamente, há discussões sobre "boa fala"; gramaticalmente, perante particípio se utiliza "mais bem" e não "melhor". A incoerência de cobrar algo que não é capaz de produzir.

E a Monica? Contou, no livro introspectivo, que Renan cantava "Eu sei que vou te amar" pra ela. Que amor! E quem pagou a conta do telefone, do restaurante? O povo, a gente "que vai levando" (trecho de outra música do mesmo compositor) e lendo a alegria de Maluf concorrer à p********* de São Paulo em 2008!

Em Curitiba, a situação também não está agradável. Moreira, reitor (da UFPR) o qual liberou a troca de habilitação - para alunos de Letras - sem a necessidade de novo vestibular ou PROVAR, pretende sair candidato. Aparências enganam! O químico não controla a Universidade, imagina a cidade... Quiçá, fará calçadas nas ruas que o atual gestor constrói. Só.

Muito mais. Listar seria demorado e garanto que já há gente de saco cheio desse post. Assim mesmo: se a relidade dói, no Brasil ela dói, causa riso e se hemofilia: incoerências de uma sociedade coerentemente sem remédio.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Análise da 1ª fase do vestibular da UFPR - Português

A prova manteve-se na normalidade da UFPR. Solicitou-se muita interpretação; o que houve de gramática estava contextualizado. No mais, acompanhem a análise proposta.

O primeiro texto, “Sem culpa e sem vergonha”, retirado da revista Veja, era base de três testes. O título, inclusive, já indica uma correlação que um exercício retoma. Damatta dissertou sobre corrupção. Do passado ao presente, tratou das diversas manifestações corruptas do país – com foco principal na atualidade. Para o autor do texto, esse problema por que passamos, enquanto organização política, está no fato de protegermos aqueles que nos são próximos, independente do erro que eles cometeram. Quando, porém, o erro foi cometido por pessoas distantes, assumimos posição de justiceiros e exigimos rigor da lei. Para ilustrar, ele veste a dualidade com as parcerias existentes entre políticos.

46) Resposta correta: Somente as afirmativas 2 e 4 são verdadeiras. A 1 está errada porque, no texto, o autor menciona que a "ética particularista" e a "ética universalista" "operam em qualquer sistema social" (primeira frase do segundo parágrafo). A 3, ao propor que "... a corrupção (...) está vinculada a determinadas ideologias e partidos políticos.", contradiz o que o autor escreve em "como revela o governo Lula, independe de colocação ideológica ou partido político" (quarta frase do primeiro parágrafo; grifo meu).

47) Resposta correta: um grupo de parlamentares. Aqui, duas maneiras básicas de encontrar a alternativa certa: perceber a ironia composta nas locuções em torno do "nosso" e do "nos", numa representação - em discurso indireto livre - da fala de alguns políticos; notar que, por exemplo, "o povo brasileiro" NÃO foi favorecido em inúmeras situações pelo presidente do Congresso Nacional (o que anula a alternativa que trazia "o povo brasileiro" como possibilidade).

48) Resposta correta: distancia os políticos do seu papel social. À leitura de "Tenho para mim que o intolerável e verdadeiramente enlouquecedor (...) a manifestação daquelas duas éticas no campo do "político", justamente a esfera destinada a resolver a duplicidade." (primeira frase do terceiro parágrafo; grifo meu), percebe-se que autor somente não admite a dupla manifestação ética entre políticos. A alternativa "se relaciona com sentimentos de culpa a vergonha, decorrentes da ética da rua e da casa, respectivamente." contém erro, justamente, na ordem que estipula para as éticas e respectivos sentimentos.

49) O texto da questão era sobre a proposta de rodízio de carros do vereador Custódia da Silva - medida que visa à diminuição de congestionamentos e queda da poluição. Reparem na fonte: texto do site da Gazeta do Povo. Isso justifica a importância, dada em sala de aula, da leitura de conteúdos dispostos na rede.

Resposta correta: [...] no centro da cidade é impossível transitar com veículo nos dias de semana [...] o centro tem um excelente sistema de trasporte e caminhar só fz bem à saúde. (E.M.). Essa foi a única manifestação favorável à implantação do rodízio. As demais, com atenção interessante ao humor da "Minha opinião é... quem foi que votou nesse vereador Custódia da Silva??? (L.G.P.I.)", são contra.

O texto "A Filosofia como investigação", contido na edição de agosto de 2007 da revista Cult, deveria ser interpretado para as questões 50 e 51. O autor, Waldomiro José da Silva Filho, aborda como tema central a verdadeira definição para o cético filosófico. Ele defende a idéia de o cético negativo ser conceito pertencente ao momento moderno da filosofia. Para justificar essa opinião, resgata o conceito cético encontrado nos pensamentos dos filósofos gregos antigos e o confronta com Descartes. Aqueles, em suas formulações, transmitiam o lado interessante do pensamento cético, pois seus questionamentos eram embasados nos motivos para iniciar a creça em algo - ao cotrário do que propunha este.

Obs. 1: os que terão prova específica de filosofia... Prestem atenção no texto! - principalmente por: presença de Descartes; menção a "gregos antigos"!

Obs.: 2: ad hoc, latim, traduz-se ao pé-da-letra por para isto.

50) Resposta correta: Dizer que não se sabe ou não se tem certeza de nada já representa um conhecimento e uma certeza. Nota: "refutável" (latim refutare) significa "contestável". Aquele que afirma não saber de nada, obrigatoriamente descobriu algo sobre seu saber; quem não tem certeza de nada, apresenta uma certeza quanto à incerteza que possui. Ou seja: toda conclusão em forma de afirmação vai representar, sim, um aprendizado, um saber.

51) Leiam estas sentenças, retiradas do texto:
- "Essa atitude negativa que se atribui ao filósofo cético (...) tal dúvida é inventada por filósofos modernos.";
- "... já disse que a filosofia moderna e contemporânea costuma recorrer a "caricatas figurações" (...)";
- "Há, assim, ma diferença crucial entre o cético moderno e o cético antigo. O primeiro lança uma dúvida radical sobre todos os domínios do conhecimento."
- "mas a pergunta mais fundamental: 'temos alguma razão para acreditar?'".

Resposta correta: O ceticismo moderno questiona as condições do conhecimento; o antigo, se há por que crer. (Reparem que esta última oração é pura paráfrase de "temos alguma razão para acreditar?".) As frases transcritas contradizem os erros das alternativas desconsideradas.

52) Resposta correta: Os otimistas têm menos possibilidades de morrer de doenças cardiovasculares do que os pessimistas, afirmam os pesquisadores do Instituto de Saúde Mental da Holanda. À leitura da segunda parte do texto, dada no enunciado da questão, a primeira parte obrigatoriamente precisava conter uma comparação entre "otimistas" e "algum outro grupo" (no caso, pessimistas) - com ênfase positiva naqueles, para a permanência da coerência. Nenhuma das outras proposições acordava com tais "exigências".

53) A charge de Fausto, intitulada "Brasil em ação", retirada de http://www.charges.com.br/, trazia quatro quadros com acontecimentos brasileiros. Queimadas florestais, violência em torno do avanço urbano, crises na saúde e no fornecimento elétrico e o caso Renan Calheiros estavam dispostos lado-a-lado: símbolos das últimas ações ocorridas no país.

Resposta correta: Somente as afirmativas 1 e 2 são verdadeiras. A 3 está incorreta porque a vergonha do brasileiro se representou na fala das personagens - não no mico. Na 4, o erro encontra-se no fato de a afirmativa igualar as pessoas da charge aos políticos brasileiros - quando elas representam o povo indignado.


"Modos de pensar a televisão" é um artigo, retirado da revista Cult, de Arlindo Machado. O texto se inicia com o conceito de seriação televisiva. Um programa, dividido em partes, também remonta a uma divisão: ele pertence ao conjunto das apresentações que sofreu ao decorrer do tempo. Tal conjunto se chama seriação. O autor compara esse tipo de processamento à produção em série das fábricas automobilísticas: recurso para manter no ar, por muito tempo, programações baseadas na repetição de um mesmo esqueleto.

Por fim, ocorre um explicação ambientada para a seriação televisa. Como a programação da televisão compete com vários aspectos "caseiros", capazes de tirar atenção do telespectador, a repetição da programação é uma forma de reiterar, a cada segundo, o que acontece na telinha - sem permitir o desinteresse de quem assiste. Daí a importância da receptitividade e da criatividade que o programa deve possuir.

54) Resposta correta: decorre tanto das condições de produção dos programas quanto de sua recepção. Justificativas: "... as razões que levaram a televisão a adotar a seriação como a principal forma de estruturação de seus produtos audiovisuais. Para muitos, a televisão (...) funciona segundo um modelo industrial e adota como estratégia produtiva as mesmas prerrogativas da produção em série que já vigoram em outras esferas industriais..." (primeira e segunda frase do segundo parágrafo) e "... se vê permanentemente constrangida a levar em consideração as condições de recepção..." (quarta frase do terceiro parágrafo) são dois trechos retirados do texto. As demais alternativas ou apresentam equívocos (como a que menciona "pouca criatividade") ou não apresentam informações contidas no texto.

55) Resposta correta: "[...] a produção televisual se vê permanentemente constrangida a levar em consideração as condições de recepção [...]" (forçada). O termo, em destaque na frase, transmite idéia de obrigação, de atitude à força. "constrangida" é particípio passado de "constrangir" - que veio do latim constringere e significa, entre outros, "forçar" - verbo que, por sua vez, gerou o particípio "forçada".

As outras palavras:
- prerrogativa (latim praerogativa): regalia, apanágio, privilégio;
- intrínseco (latim intrinsecu): que está no interior de uma coisa, e que lhe é próprio, essencial;
- contingência (latim contingencia): eventualidade, possibilidade imprevisível, incerteza;
- fragmentário (latim fragmentu): que se encontra em fragmentos, sem unidade.

56) Resposta correta: Os presídios não são uma forma de mudar o ponto de vista de quem esteja lá preso. Não é porque foi preso que um marginal que já fez de tudo na vida vai mudar totalmente. Repare que ocorre a concordância verbal entre o sujeito "Os presídios" e o verbo "são" e entre o sujeito "um marginal" e o verbo "vai". Duas alternativas não obedeciam a essa gramaticalidade - concordância verbal. Das outras duas, uma apresentava contradição ("Os presídios não são uma forma de mudar (...) um marginal (...) vai mudar totalmente"); a outra atribui a mudança ao que o marginal já fez na vida, não ao presídio.

57) A charge "Engenheiros de vendas", retirada do jornal Folha de São Paulo, retrata uma conversa ambígua entre um patrão e um consumidor.

Resposta correta: Somente a afirmativa 2 é verdadeira. A ambigüidade ocorre em torno da locução " É verdade?" - que possibilita a confirmação do atributo que o produto teria (o de consertar-se sozinho) ou a confirmação SOMENTE de que o vendedor disse algo (o que NÃO implica a veracidade do que foi dito pelo vendedor). A 1 e a 3 estão incorretas justamente porque o patrão, ao confirmar SOMENTE a fala do vendedor, subjetivamente torna mentiroso o auto-conserto do produto em questão.

Dúvidas? prof.mozao@gmail.com!!

domingo, 18 de novembro de 2007

Aquiles, cadê você?

No caminho de volta pra casa, hoje, um cidadão desesperado me parou com a súplica "Moço, como faço pra chegá no cemitério Água Verde? Mataram minha irmã de deiz anos, deiz anos...". Além de o coitado estar de bicicleta, chovia. O choro daquele homem era sincero a ponto de eu me perder nas coordenadas. Que belo panorama para uma noite de domingo.

A violência, em Curitiba, atingiu seu auge. A capital paranaense percebe-se abandonada no quesito segurança pública. O prefeito projeta ruas, ruas, ruas... Mas não cogita a fixação de policiamento em famosos pontos de marginalidade. Lembro, ainda, as promessas de campanha não cumpridas que, de certa forma, contribuem para a insegurança: passagem não se congelou; a Unidade de Saúde 24h do Pinheirinho que, de oito salas, apresenta apenas duas disponíveis para o público; a não continuação do calçamento; o diálogo com as classes sociais. Descaso de um tucano para com os adestradores que lhe dão comida.

Semana passada, na Rui Barbosa, dois elementos apontaram a arma para roubar o boné de um estudante. Isso ocorreu às 22h, em pleno 15 de novembro, a dois metros de mim. O detalhe da cena está no fato de toda sã consciência saber que o cruzamento da André de Barros com a Visconde de Nacar é dos mais violentos da cidade. Não havia sequer uma viatura parada ali por perto. Aliás, faz tempo que a única manifestação da polícia são investidas frustradas na primeira viela de alguma favela. A bandidagem agradece essa cortesia!

Também sofre quem transita ou trabalha em transporte coletivo. Certas linhas chegam a ser assaltadas três vezes por dia. Os batedores-de-carteira têm muito serviço nos Ligeirinhos lotados. Molestadores atingiram o ponto de aliciar crianças de dez, onze anos. Idosos recebem agressões fortíssimas. Mas pra que que o PSDBista vai se preocupar se ele circula de caminhonete 2007? As ruas criadas servem para ele melhor dirigir o veículo (blindado, no seguro, com dois particulares dentro) novo.

Sei, com o perdão da expressão, que a coisa ´tá feia em todas as cidades brasileiras. A viúva de umas das vítimas do acidente com o vôo 3054 (aquele dos 187 mortos) teve de sair do país porque uma quadrilha visou à indenização que nem foi paga ainda. No Rio, os tiroteios ao meio-dia condensam-se diariamente. Os fazendeiros do Pará; os Magalhães na Bahia. Só que Curitiba possui só 30 (trinta) anos de "metrópole"! Se, nesse pouco tempo, os índices negativos conseguiram tamanho patamar, terão meus filhos sustentabilidade social pelo menos adequada?

Às vezes eu fantasio haver um Aquiles escondido por aí. Anseio pelo momento em que ele retornará à guerra - só que urbana, agora - para ajudar a nossa sociedade. Mas se nem na literatura o final é sempre feliz, imagina na vida real. Homer(o), ai Homer(o).

domingo, 4 de novembro de 2007

A Vida, a Morte, a Criação

"A morte, o problema da morte, é outra questão sobre a qual não se pode deixar de pensar. A obra de Tom Jobim daqui a cinqüenta anos, o que será? Falar em cem ou duzentos anos é imprudência nesse mundo em que tudo passa muito depressa e muda vertiginosamente. A partir de alguns anos, tudo é imprevisível. Penso, no entanto, que o futuro vai conhecer uma visão mais espiritual das coisas, o que talvez aumente o interesse pela obra de um Tom Jobim. Muitas vezes, conversando com os amigos, eles me perguntam o que estou fazendo agora. Costumo responder: ‘Estou escrevendo para a posteridade, estou trabalhando para a estátua’.

A criação é um ato de amor, alguma coisa que se comunica a toda a humanidade. Um artista não pode fazer nada que contribua para piorar o mundo. Acho que tenho deveres para com as pessoas com quem convivo.

A vida tem um sentido oculto, certamente. Fui criado em ambiente cético, de maneira agnóstica. Diante da natureza, sinto que toda a negação é ingênua, que Deus não nos teria criado para o nada.

As pessoas estão hoje muito mais rudes e agressivas do que há alguns anos. Numa rua perdida, num bairro tranqüilo, onde brincam crianças, um carro passa a toda velocidade pelo simples prazer de correr ou por qualquer outro motivo, indiferente a tudo e a todos. Se ao menos estivesse apressado para chegar a algum lugar. O aprendizado é difícil, a gente tem que se reeducar para não violentar os outros e para não se deixar violentar. Apesar de tudo, a vida pode ser agradável para quem gosta do que faz. Ali em cima daquele piano há músicas inéditas que precisam ser trabalhadas. Se tudo correr bem, se o avião não cair, a gente grava, a gente escreve, para deixar aí para os moços, para quem quiser e puder fazer melhor no futuro.

É isso aí o que eu queria dizer."

(JOBIM, Helena. Tom Jobim - Um Homem Iluminado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.)